março 25 2019 0Comentário

Com futuro indefinido, Minha Casa faz dez anos

O programa Minha Casa, Minha Vida, que completa dez anos nesta segunda-feira (25), vive momento de indefinição com a mudança de governo, mais reticente à concessão de subsídios para estimular setores econômicos, e forte crise fiscal. O que conta a favor do principal programa habitacional do país é ter permitido, desde sua criação, o acesso de mais de 5,5 milhões de famílias à casa própria e estimulado o interesse do setor privado por moradias de interesse popular, ou seja, que atendem ao público de menor renda. Mas, para potencializar os resultados, o governo precisa dar respostas aos principais problemas, como a falta de projetos de qualidade, principalmente, para a faixa 1, e de infraestrutura em locais onde parte dos empreendimentos são instalados, a invasão de imóveis vazios e a retomada das obras paradas em um cenário de recursos escassos.

Lançado em março de 2009 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Minha Casa, Minha Vida atende, atualmente, a famílias com renda de até R$ 9 mil. Pelos critérios do programa, quanto menor o orçamento familiar, maior o subsídio concedido pelo governo federal. Para famílias com renda de R$ 1,8 mil (faixa 1), por exemplo, o subsídio é correspondente a quase 100% do valor do imóvel e é bancado pela União. Para outras faixas, é oferecido financiamento com um desconto menor. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) custeia 90% desse subsídio e 10% é de responsabilidade da União.

Segundo balanço feito pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) a pedido do Valor, da criação do programa ao fim de 2018, foram contratadas 5,567 milhões de unidades e entregues 4,087 milhões. O programa atingiu seu pico de contratações em 2013 (912.407 unidades), sendo 537.185 para a chamada faixa 1.

A proposta de orçamento original do programa para este ano é a menor desde a sua criação, ao somar R$ 4,6 bilhões. O orçamento pode subir por meio de emendas parlamentares. Segundo fontes, esses recursos serão suficientes apenas para o governo bancar obras paradas ou que estão em execução dos imóveis da faixa 1.

Conforme o ministério, para garantir a execução do programa em 2019, a União deve discutir na chamada junta de execução orçamentária o cronograma de desembolsos e acabou com o limite mensal de pagamento a partir a partir deste mês. No início do ano, foram liberados R$ 100 milhões para o FGTS, que atende às faixas 1,5, 2 e 3 do Minha Casa, e outros R$ 200 milhões para o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), responsável pelo faixa 1, para garantir o funcionamento do programa.

O ministério informou, por meio de nota, que o programa é prioridade do governo do presidente Jair Bolsonaro e que a pasta tem trabalhado no aperfeiçoamento da Política Nacional de Habitação, buscando integrar o Minha Casa às demais diretrizes do governo. “O objetivo é focar na qualidade do ambiente construído e em estratégias acopladas ao desenvolvimento, para atender às necessidades da população beneficiada”, declarou o MDR, sem fornecer detalhes.

Em janeiro e parte de fevereiro ano, houve mais dificuldade nas contratações e nos repasses dos recebíveis dos clientes para os bancos em decorrência de impactos da mudança de governo, como a incorporação do Ministério das Cidades pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. Segundo incorporadoras que atuam no programa, a partir de meados de fevereiro, os repasses melhoraram em relação a janeiro, e a expectativa é de volta à normalidade já neste mês.

As contratações do Minha Casa, Minha Vida começaram a desacelerar e mudar o foco (para famílias com renda um pouco maior) entre 2015 e 2016 com a deterioração das contas públicas e a demora na regulamentação da segunda etapa do programa no governo da então presidente Dilma Rousseff que dependia de aprovação do Congresso Nacional.

Em 2015, o governo chegou a empurrar para o FGTS o custo dos subsídios concedidos às famílias de menor renda (faixa 1) para a compra do imóvel no âmbito do Minha Casa, assim como para ajudar a colocar em dia pagamento atrasados às construtoras. Além disso, o governo não repassou o corresponde a 10% que teria de assumir desses subsídios para financiamento das famílias com faixa de renda um pouco mais alta, o que se tornou dívida junto ao FGTS. Posteriormente, a operação foi considerada uma “pedalada fiscal”. Em 2016, dada a falta de recursos para operar a chamada faixa 1, foi criada a faixa 1,5 – mescla de financiamento com subsídios da União – para famílias com renda até R$ 2,6 mil.

No entendimento do fundador da MRV Engenharia, Rubens Menin, enquanto as faixas 2 e 3 são sustentáveis, a faixa 1 consumiu “muito dinheiro” e resultou em empreendimentos de baixa qualidade, com localizações ruins. “A faixa 1 foi usada como plataforma política, sem critério, em todos os governos”, afirma Menin.

Para atenuar problemas relacionados à escassez de recursos do FGTS que costumam ocorrer nos últimos meses do ano, os subsídios para a faixa 1,5 foram reduzidos, no fim de 2018, e estabelecidos limites para financiamentos para o segmento por projeto. As incorporadoras de baixa renda reduziram o que pretendem direcionar para a faixa. Na Tenda, a faixa 1,5 vai responder por patamar de 20% a 30% das vendas em 2019, ante 55% em 2018. A MRV, que lançou cerca de 22% no segmento, no ano passado, deve nele ter menos de 10% das unidades em 2019. Na Direcional Engenharia, a faixa 1,5 deve ficar com fatia de 12% a 15% das vendas, ante expectativa inicial de 20%.

Na avaliação do ex-ministro das Cidades do governo Michel Temer, Alexandre Baldy, que hoje ocupa o cargo de secretário estadual de Transportes Metropolitanos de São Paulo, é ” preciso repensar o programa, trabalhar as faixas 1 e 1,5 para família que moram em áreas de risco e ou em condições vulneráveis”. Já o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, disse que “o maior desafio é consolidar o programa, de forma perene, e com sustentabilidade”.

A ex-secretária nacional de habitação do Ministério das Cidades, Henriqueta Arantes, que é consultora da CBIC, afirma que o programa possibilitou que o setor privado pensasse em executar habitação popular. O programa deu escala ao mercado imobiliário para ajudar a enfrentar o déficit habitacional no país, que atingiu 7,77 milhões de moradias em 2017, aponta a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Trata-se do maior número desde 2007. Para Henriqueta, o programa precisa se atualizar e fazer com que estados e municípios passem a promover a infraestrutura necessária a empreendimentos da baixa renda.

 

Fonte: Valor Econômico

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